LUTA MARAJOARA
Por: Dário Pedrosa
A Luta Marajoara é a única modalidade de combate corporal
legitimamente brasileira. Oriunda das práticas de lazer dos caboclos da região
do Arari, na ilha do Marajó, esta arte reúne características próximas a outras
artes marciais como a Greco Romana por exemplo, disputada entre dois atletas
por vez, não permitindo nenhum tipo de ato contundente, nem chaves ou traços.
Na sua essência a Luta Marajoara é, das artes marciais, a
menos violenta, motivo pelo qual reúne condições de interagir com todos as
faixas etárias, pois é verdadeiramente uma luta suave, onde os oponentes
buscam, tão somente, o desequilíbrio e a projeção um do outro.
Origem – Há uma
indefinição quanto a origem real desta arte marcial. Alguns escritores já citaram
as práticas dos índios Aruãs e a influencia dos escravos africanos na sua
criação. Porém, sem qualquer tipo de citação instrumentalizadora que justifique
tal relação. Outras duas teses surgem com maior poder de coerência e
proximidade com o que é praticado nos combates atuais. Quais sejam, a
influência das brigas entre búfalos observadas pelos caboclos e reproduzidas
depois, em atividades de lazer para aquecimento do corpo ao final do dia.
As duas teses se fundem numa única dentro do contexto do
lúdico, quando a prática ainda era chamada pelos nomes de: agarrada, cabeçada,
lambuzada ou derrubada. Nomes registrados ainda hoje nos municípios de
Cachoeira do Arari e Santa Cruz do Arari, possíveis áreas onde a arte foi
iniciada, sendo remanescente em Salvaterra, Chaves e principalmente Soure, que
devido a grande incidência de propriedades pecuaristas, predominou a cultura da
criação de búfalos, animal que pode ter influenciado na criação da luta.
A posição dos chifres dos búfalos, ao travarem lutas por
território e pelo domínio de bandos e suas fêmeas, teria sido demoradamente
observado pelos caboclos e reproduzidos nas posições iniciais da atual luta
marajoara.
Faz-se necessário lembrar que os búfalos em seus terríveis
combates corporais usam as cabeças e o choque entre elas para atingir um ao
outro. Cada choque reúne todo o peso do animal somado a velocidade imprimida
para o encontro entre os oponentes. Quando o choque não se faz suficiente para
definir o vencedor, os chifres acabam por se entrelaçarem e trava-se então um
combate pelo desequilíbrio. Eles empurram-se e giram o pescoço acintosamente.
Muitas destas lutas duram horas e a decisão somente se faz quando um dos oponentes cansa e desiste. Outras vezes, o derrotado termina morto por afundamento craniano ou fratura da coluna na região do pescoço. Pode ocorrer também de um dos oponentes ou os dois, terminarem com ferimentos graves, provocados pelos chifres e não resistindo aos ferimentos, acabando, os dois, por virem a morrer depois.
Se levarmos em consideração que a chegada dos búfalos no
Brasil deu-se através da ilha do Marajó, na ultima década do século XVIII, numa
ação do pecuarista Vicente Chermont de Miranda, então poderemos dizer que esta
luta pode ter seu surgimento referendado também por este episódio, em datas
próximas.
A beira de igarapés, poços, praias e lagos era o ambiente
mais comum para a prática desta arte marcial dentro do principio do lúdico.
Este é o formato tradicional da luta quando ainda era chamada pelas
denominações citadas a cima, criadas pelos próprios caboclos. Esta prática
tradicional possui algumas faces distintas, pois além da brincadeira de final
de tarde, passou a ser comum na festividade do Glorioso São Sebastião, de
Cachoeira do Arari.
É em Cachoeira do Arari que homens, mulheres e crianças
debatem-se em inesperados ataques, buscando sujarem-se na lama das primeiras
chuvas do ano durante a procissão dos mastros do santo, que são conduzidos
pelas ruas da cidade, no mês de Janeiro.
A festividade, que funde o profano com o religioso, ocorre
sempre de 10 a 20 de janeiro, quando sua apoteose atrai, para Cachoeira do
Arari, milhares de pessoas, na maioria, devotos do santo considerado protetor
dos vaqueiros da região e a ele também é creditado, com a chegada das chuvas, o
ano que poderá ser de fartura, caso chova muito ou de dificuldades caso chova
pouco ou não chova.
Com a chuva forma-se grande quantidade de lama pelas ruas da
cidade e é la que a lambuzada se faz presente. Eles sujam-se, uns aos outros,
na lama considerada abençoada. E quem não se lambuza não terá a proteção do
santo chamado pelos devotos apenas como “BASTIÃO”.
Somente na metade da década de 90 esta prática começou a
receber uma nova denominação, agora sim, como LUTA MARAJOARA, devido a
iniciativa de órgãos públicos que passaram a promover torneios com lutadores
devidamente preparados e com premiação de destaque para aquele que seria
considerado campeão.
Saindo então ai, o elemento lúdico e entrando a prática
desportiva de rendimento, com a necessidade de regras mais especificas e
rígidas que permitissem a ação de arbitragem para mediar os combates.
Em Salvaterra, Soure e Cachoeira do Arari, as Prefeituras
Municipais buscaram incentivar esta prática com disputas motivadas por
premiações. A imprensa passou, então, a demonstrar interesse no seu registro. Tanto
que, na festa do aniversário de Salvaterra, pelos seus 36 anos, em 1998, ocorreu
a primeira filmagem da luta por uma equipe de jornalismo televisiva. A TV
Record de televisão, trazida ao município para registrar as atividades da festa,
veiculou a matéria em rede nacional.
Depois o Governo do Estado do Pará veio ao Marajó promover
os Primeiros Jogos de Identidade Cultural, nas areias da Praia do Pesqueiro, em
Soure. E a Luta Marajoara teve então oficializada esta denominação e definidas
regras de disputas, em comum acordo com os lutadores e os preparadores físicos,
além dos estudiosos no assunto que participaram do evento. Destaque para os
pesquisadores e árbitros Leandro Gavinho, João de Deus e Dário Pedrosa.
A LUTA - Façamos então um detalhamento da prática da Luta
Marajoara.
O ambiente comum para que ocorram as disputas, deve ter solo
com areia, argila ou grama, pois a regra básica do combate é derrubar o
oponente no chão e encostar suas costas o suficiente para que seja considerado
dominado. O sinal escolhido pelos caboclos e mantido pelos desportistas. Para
definir o perdedor basta a observação da área da costa suja pelos detritos do
solo, seja lama, argila ou grama.
Alguns torneio convencionam regras para as disputas o que
acaba por permitir práticas com normativas diferenciadas de um município ou
evento para outro. Porém, o mais comum é:
1. Que sejam definidas pelo menos duas categorias
de lutadores com base no peso, até 80 kg e superior a 80kg. Além dos gêneros,
onde mulher luta com mulher e homem luta com homem e o respeito a faixa etária,
discriminando o Amador(até 35 anos) e o Master(acima de 35 anos)
2. Fica convencionado que o “pé casado” deverá ser
a posição inicial de luta e servirá também para reinicio de combate em caso de
intervenção da arbitragem.
3Um circulo com raio de pelo menos dois metros
deverá ser desenhado no chão para servir de área de combate, não podendo os
lutadores saírem desta área.
4.
Não será permitido o uso de óleos ou qualquer tipo
de adereço sólido no corpo, muito menos unhas destacadas.
5.
Fica proibido o uso de atos contundentes como
socos, ponta pés, chutes e tapas. Bem como estrangulamentos, chaves de braços,
pernas ou qualquer parte dos membros.
6. A luta deverá desenvolver predominantemente em
pé, buscando sempre a projeção através de agarradas, empurradas e puxadas,
desequilibrando o adversário rumo ao solo. Nos casos em que ocorrerem a
derrubada sem que a costa seja posta em
contato suficiente com o solo para a finalização do combate, deverá o arbitro
permitir a luta de chão somente o tempo
suficiente para que o esforço na finalização seja concluído.
A falta de
progresso na disputa pela finalização, dará ao arbitro a condição de
intervenção, solicitando os dois lutadores para que voltem a posição de “pé
casado” em pé, reiniciando a disputa.
7. A equipe de arbitragem deverá ser composta por
até três técnicos conhecedores das regras. Sendo dois árbitros auxiliares que
permanecem do lado de fora do circulo observando todos os movimentos dos lutadores,
para indicar ações irregulares ou auxiliar na decisão final caso a luta não
seja finalizada no tempo comum. O arbitro principal é o responsável pela
integridade física e moral dos atletas e pela aplicação correta das regras,
permanecendo para isso dentro do circulo de combate. Cabe somente a ele a
responsabilidade de iniciar, interromper ou encerrar o combate.
8. Fica definido o tempo de até cinco minutos para
um único houd. Caso a luta não seja definida neste tempo e os árbitros não
sintam-se a vontade de votar para desempatar, poderá ser dada uma prorrogação de
até três minutos.
GOLPES PROIBIDOS
Alguns golpes são considerados perigosos de serem aplicados
em combate e teriam sido criados pelos caboclos nos primórdios da luta nas
fazendas da região marajoara. Este golpes já teriam sido registrados como
letais e levado a morte alguns praticantes, basicamente por fratura de
cervical, são eles: Boa Laranjeira, Infincada e Recolhida.
A LUTA MARAJOARA NO UFC
Dois marajoaras conseguiram projeção nacional graças a sua
entrada nas artes marciais através da Luta Marajoara. São eles, os irmãos
Alcântara, Yuri e Ildemar Marajó. Integrantes atualmente do card de lutadores
do UFC, o maior evento de MMA do mundo. Os dois iniciaram suas atividades com
as artes marciais, quando ainda moravam na Fazenda Tapera, em Soure, uma das
mais tradicionais fazendas da região. O pai era feitor da fazenda e a mãe
desenvolvia atividade como professora. Os meninos eram levados pelo pai a se
envolverem nas disputas de luta marajoara com outros meninos da comunidade e, contam os dois, que quando perdiam recebiam castigo do pai. Isso fez eles se
aplicarem cada fez mais na melhoria da conhecida agarrada. Cresceram com esta determinação e tornaram-se os
melhores praticantes. Sagrando-se vitoriosos em vários torneios da região.
Passaram depois a praticar outras artes marciais para aperfeiçoarem suas técnicas de combate até chegarem ao MMA.